O navio-motor JOÃO COSTA, propriedade da Sociedade de Pesca Luso-Brasileira, Lda., sedeada na Figueira da Foz, foi construído nos Estaleiros Navais do Mondego, na Morraceira, pelo mestre Benjamim Bolais Mónica.
Um curto-circuito surpreendeu a tripulação.
“Parecia pólvora. Pegámos nos extintores para apagar, mas o fogo progrediu rapidamente, devido ao facto das madeiras transpirarem o gasóleo que era usado no abastecimento da embarcação e não conseguimos dominar as chamas“, recordou o sobrevivente Hipólito Luís.
Quinze minutos depois o fogo tornou-se incontrolável e, face ao perigo de novas explosões nos tanques de combustível, o comandante João Costa ordenou o abandono do navio e decidiu dividir os 22 dóris em 2 grupos. Cada grupo possuía uma bússola que, a todo o custo, tinham conseguido retirar do navio em chamas. “Foi aí que se instalou a confusão. Era cada um a ver quem se safava primeiro, para agarrar lugar nos dóris. Vivemos momentos de pânico“, relembrou Hipólito Luís.
Dentro dos dóris, aterrorizados, os pescadores viam o “João Costa” a adernar. Com o auxílio das bússolas tentaram navegar rumo à ilha de S. Miguel, nos Açores, 60 milhas a sul. O tempo passava. À deriva no oceano os pescadores perdiam as esperanças.
“Valeu-nos a fé!“, explicou o náufrago Remígio Gonçalves, conhecido como o “da caraga”. Era terrível a dor de verificar o desaparecimento de alguns dóris, afastados e destruídos por fortes ventos e correntes.
Dos 22 dóris iniciais restavam agora 17. Só ao terceiro dia os náufragos conseguiram beber água, quando choveu abundantemente. Capturaram uma tartaruga, que comeram crua. As alucinações estavam a aparecer. Sem comida, sem água e sem ajuda, os homens fizeram o inconcebível. “Conseguimos manter a calma e milagrosamente salvamo-nos todos menos o cão, o Bobby, que tivemos que matar para comer. Já andávamos à deriva há uns dias. Foi a única forma de sobrevivermos“, contou Hipólito Luís, com os olhos húmidos, quando já tinha 76 anos. A morte do Bobby, por Artur Braga, das Caxinas, foi descrita em 1959 por Bernardo Santareno “Nos Mares do Fim do Mundo“. Um ato de desespero, e de sobrevivência, que atormentou de remorsos Artur Braga, ao longo da sua vida, uma morte inútil, lamentava-se o homem, porque nessa mesma tarde um navio americano haveria de os salvar.
Continuavam perdidos, em alto mar, 62 pecadores em 14 dóris. Suportaram frio, sede e fome, durante 7 dias. Tentaram manter os dóris agrupados, mas, se durante o dia era relativamente fácil, o mesmo não acontecia durante a noite. Vários barcos passaram ao longe, mas ninguém os avistou. “Não imaginavam o que se passava“.
O navio STEEL EXECUTIVE recolheu 35 náufragos e o navio HENRIETTE SCHULTE salvou os restantes 27. Estes 62 náufragos desembarcaram em Ponta Delgada, Açores, no dia 30 de setembro. O meu tio Alberto Jordão e o meu primo Alberto Curado (1º motorista do João Costa), Bartolomeu Ramalho, Manuel Borges, Mário Pimentel, António Félix, Manuel Roque, Mário Miranda, Quim Manardo, João José Cabete da Silva, José Chapada, Remigio Macara, Zezola, Antonio Pachita, Hipólito Luís, Remígio Gonçalves e António Santos encontravam-se entre os 49 náufragos figueirenses.
Os familiares dos náufragos e a cidade da Figueira da Foz receberam com incomensurável alegria a notícia de terem sido salvos todos os tripulantes do navio-motor JOÃO COSTA. Foi apoteótica a chegada dos náufragos à Figueira da Foz. O Largo da Estação estava pejado de gente, de archotes acesos, que, em procissão, acompanharam os náufragos até ao Largo do Carvão, onde era o Banco Costa e a sede da empresa proprietária do barco. Apesar do Jornal do Pescador ter noticiado que o comandante Tenreiro tinha telegrafado para os Açores, para a Casa dos Pescadores de Ponta Delgada, a dar instruções para dispensarem todos os cuidados necessários aos náufragos do João Costa, estes foram recebidos na Figueira com alguma frieza pelos “donos do peixe”, como nos relatou António Paxita no livro de Manuel Luís Pata, “A Figueira da Foz e a Pesca do Bacalhau”, volume II: “Deram-nos roupa, cuecas, camisola interior, meias, sandálias e uma boina. O pior foi quando chegámos à Figueira e fomos receber o valor do peixe que tínhamos pescado, pois descontaram-nos 390 escudos da roupa que nos tinham dado. Bem, deram-nos alojamento e comida, mas a roupa tivemos que a pagar…”.
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