Jorge queria-a. Arménia queria-o. Encontraram-se ao início da noite em casa do Jorge. Um quarto andar de um único quarto, chão de madeira e paredes brancas. Depois das mortes de Cátia e do marido de Arménia, depois se reformar dos bombeiros, Jorge ainda a queria mais. Nuns dias, desconfiava que era assim por causa da culpa, noutros, julgava ser apenas da vontade, que era, igualmente, muita. Pensava nisso. E lembrava que, antes de ambos casarem com outros, o seu peito batia muito quando a via. E que ao longo dos anos, mesmo no meio do tempo e dos casamentos de ambos, em dias de muito sol (tinha que estar sol), o seu peito batia mesmo sem a ver. O encontro na padaria tudo havia precipitado. Jorge queria- a tanto… encheu o peito; (e o que lhe custou)…: -“ ontem não tinham pão d` água”. – “Pois não”, respondeu ela.
Jorge dormia mal há meses. O filho lá fora e a guerra lá dentro traziam-lhe muito pouca paz. A vida estava feita. O vento tinha soprado. E a morte só lhe teria a colher dignidade e, dava muitas graças, todas aquelas manhãs em que passava a ferro. Uns cozinhados mal-arranjados também, vá. Os dias cansavam-no e o sentido das coisas ia-se (indo). Às vezes com uma certa ternura, o que o agradava. Em certas noites, os discos do Gianni Morandi recordavam-lhe a paixão e aqueciam-lhe o sangue. Sorria, mas não queria que fosse por muito tempo. Havia agora de a desejar tanto…de sonhar em passear com ela de carro junto ao mar. Não nascera na época certa, era o que era, pensava. Sabia que a sua moral estava provavelmente errada; (mas) era tarde para arranjar outra.
Ainda envergonhado pelos cepudos modos do convite, punha agora a mesa com a toalha que lhe pareceu em melhor estado, talheres e pratos que até entendia bonitos. Antes de ela chegar estava nervoso e não estava. Ficou mesmo nervoso quando a campainha tocou. Dirigiu-se rapidamente à porta enquanto rodopiava a cabeça pela sala, não se desse as coisas não estarem certas.
O jantar não corria mal. Não tanto por os dois saberem bem o que queriam, mas antes por o quererem muito. Os entusiasmos sobrepunham-se e as conversas não paravam. Ele era agora um homem cheio de planos modestos, contando-os. Sentiam lisonja mútua naquele jantar e só isso fazia logo com que o sentissem bem conseguido. Tudo o mais, e podia acontecer, era um assunto só deles. E, às tantas, sentados no sofá, já lado a lado, Jorge pousou o fino copo de vinho do Porto modesto e beijou-a de uma maneira muito boa.
O dia seguinte amanheceu sem sol, muito frio e com uma chuva média. Jorge saía de casa para comprar pão. A vizinha do Rés- do- Chão era uma senhora de idade e vivia sozinha. Uma dessas almas, assim, agora, aqui, descritas: – O amor nunca as largou, mas que há muito largaram o amor, vivem respirando mesmo sem ar e levitam falando na vida alheia.
“- Bom dia, Dona Armanda, como está?” – Perguntou Jorge. – “Cheia de dores, e com muita vontade de me queixar ao Senhor do Condomínio”. Assim respondeu, acrescentando que tinha dormido muito mal, por via das portas a bater e dos constantes barulhos no prédio e que não podia ser. Não podia mesmo ser.
Jorge não soube o que dizer. Não disse nada. Encolheu os ombros e saiu apressadamente do prédio. Já lá fora, pela manhã gelada, enquanto caminhava na rua a passos largos, mãos bem fundas nos bolsos, aflando um leve sorriso, sentia, um a um, os pingos de chuva que lhe caíam pelo rosto.

Segunda Vaga
Três dias antes o Zepelim havia acostado ao céu da cidade. Era a segunda vaga. A primeira tinha acelerado o fim da pobre Geni. A sua irmã ainda não tinha perdoado a cidade, jamais perdoaria.