Podcast que pretende acolher desassossegadas, ecléticas e curiosas vozes do concelho da Figueira da Foz.

Luis Castro

Sinos

Entre 18 de Outubro e 28 de Novembro de 1996, na Figueira da Foz, decorreu o ciclo de colóquios “Alberto Pessoa”.

Com mérito, tal acontecimento foi levado a cabo pela Assembleia Figueirense e assim designado para homenagear Alberto Pessoa, o Arquitecto que, ipsis verbis,decerto, mais viu e sentiu a Figueira da Foz”.

A história começa em 1961. O Engenheiro Coelho Jordão, empossado como Presidente da Câmara Municipal da Figueira da Foz, havia decidido concretizar algumas ideias e sugestões de gente que, no passado, estudara a cidade e estaria muito cativa da sua beleza.

Entre outras, algumas dessas ideias e sugestões passavam por implementar um Museu, uma Biblioteca, uma Escola preparatória e uma Escola Primária nas Abadias, além de bons acessos ao Liceu Nacional.

Para esse efeito teria que ser elaborado um Plano Parcelar de Urbanização, que abarcasse, também, o Vale das Abadias.

E é com este propósito que, em 1963, a hora da boa, a Câmara Municipal adjudica o preparo de tal Plano de Urbanização aos Arquitectos Alberto José Pessoa e Gonçalo Ribeiro Teles.

Dez anos depois, em 1973, fruto do bom trabalho desenvolvido e da ligação que a cidade entretanto firmara consigo (com facilidade se poderia ter escrito o contrário), foi ainda adjudicada ao Arquitecto Alberto Pessoa a elaboração de um outro Plano, o novo Plano Geral de Urbanização.

Imagem da Tese de Licenciatura (2001), “Alberto Pessoa – Figueira da Foz, 1963 –1985”, arq.º Raul Saúde

Posta esta breve introdução, volte-se, pois, ao referido ciclo de colóquios, mencionado no início deste texto, e que, recordemos, ocorreu muitos anos mais tarde, em 1996, tendo a cidade e o seu futuro como duplo mote.

Esse ciclo de colóquios consistiu, grosso modo, na formação de painéis sobre vários conteúdos, desde, mencionando apenas alguns: – Acção social, qualidade de vida e ambiente, desenvolvimento económico e evolução e perspectivas urbanísticas; que foram debatidos por oradores convidados.

De muitos desses oradores, para além de um chorrilho de lugares comuns, pompa, previsões futurísticas ao lado (das quais só mesmo o próprio tempo deveria rir, sejamos perdoados) e posições muito comprometidas e comprometedoras, pouco mais ficou.

Julga-se, todavia, que também dali saíram alguns discursos lúcidos, pejados de coragem, visão certeira e, quer-se crer, amor sincero pela cidade, destacando-se a intervenção do Engenheiro M. Saraiva Santos, iniciada com a seguinte questão: -“O Plano Geral de Urbanização do Arquitecto Pessoa nunca existiu?”

Nessa sua intervenção, o Engenheiro M. Saraiva Santos, salvo melhor opinião, com palavras duras, mas certas, lamenta, em primeiro, o intencional desnorte levado à cidade quanto à fixação de instrumentos de ordenamento do território, ocorrido, sobretudo, depois de 1982, dando como paradigma, a esse respeito, a não ratificação ou sequer utilização do Plano Geral de Urbanização do Arquitecto Pessoa, assim se referindo sobre aquele plano:

“(…) Não houve capacidade, ou interesse, ou conveniência que ele fosse usado como instrumento ordenador do urbanismo figueirense, impedindo as torres de betão que por aí se foram erguendo, pelas cérceas que iam subindo, pelos laxismos que se iam instalando, pelos desequilíbrios paisagísticos que iam aparecendo (…).

Quase quarenta anos depois, a cidade insiste em não honrar o bom legado do Arquitecto Pessoa, cujo paradigma e marca indelével na cidade é o Vale das Abadias, esse corredor verde que atravessa quase toda cidade e que, caso não o tivéssemos apenas como mera ideia, para mais adquirida, nos faria corar, antes, de alegria.

A escassa utilização das Abadias pelos Figueirenses é um mistério lamentável e insondável e muitas obras na cidade, sem fundamento e visão, são clamorosos e feios erros, a pagar caro por muito tempo e, na falta de outro prantear, pelo menos, em simples arrependimento.

O Engenheiro M. Saraiva Santos ainda mencionou na sua intervenção que: “(…) A excelência de um instrumento de comando urbanístico não assegura, por si só, a boa qualidade de um ordenamento e desenvolvimento urbanísticos (…).”

Certamente que não, a excelência de um instrumento de comando urbanístico, ou a excelência de um qualquer outro instrumento legislativo, institucional ou de poder público, seja a sua natureza qual for, julga-se, sempre depende antes de necessidade e, logo, de boa elaboração, aprovação e efectiva utilização.

A semelhantes casos, tudo isto, talvez, só possa advir com visão, coragem, humildade, capacidade e sentido de serviço público; talvez só possa advir da independência, da intransigência face a interesses alheios e da cidade acima da manutenção de poder. Talvez só possa advir da ligação histórica e pessoal com os lugares. E também, quase parece ser corajoso dizê-lo (tristes tempos), do amor que um político possa ter a uma cidade e que o possam levar à centelha inicial de qualquer decisão.

E depende também, talvez, acima de tudo, do povo que (o) elege. De um povo forte que não se deixe dividir.

Ora, uma cidade em roda-viva, por mais que seja, por mais que tenha, é e foi presa fácil para os poderes fáticos, para quem em política e na vida se quer promover ou não morrer, para os ciclos eleitorais, para obras de utilidade mais que duvidosa, para as agendas e agências partidárias de angariação de emprego, para os políticos, tecnocratas e empresários vulgares e para a especulação e cedências de toda a ordem.

Em 1963, o Engenheiro Coelho Jordão, dito em linguagem simples, fez muito bem em adjudicar o preparo do tal Plano de Urbanização aos Arquitectos Alberto José Pessoa e Gonçalo Ribeiro Teles.

Com essa decisão, não se decidiu apenas pelos tecnocratas, foi antes por quem detinha conhecimento, por gente de boas intenções, de bom senso, com capacidade, de muita competência e visão.

Não delegou sem mais, revelou, isso sim, também, o próprio Engenheiro Coelho Jordão, independência na medida das (suas) circunstâncias e história do tempo, assim como revelou, igualmente, boa intenção, bom senso, capacidade, visão e, acima de tudo, humildade. O que o engrandeceu, assim como, certamente, ao próprio Arquitecto Pessoa. E, por resultado desse legado de ambos, engrandeceu-se, incontestavelmente, a nossa cidade.

O tempo, Mestre, no que respeita ao que acima se expôs e a tudo, mostrou que aqueles homens estavam certos quanto a tais planos e obra, mas, nas palavras do poeta: “o tempo não ensina, nem serve a todos”.

No final da sua intervenção no referido colóquio, ainda assim rematou o Engenheiro Saraiva Santos: “(…) Por favor, não enxovalhem desse modo a memória do Arquitecto Pessoa. Ele não merecia (…)”.

E, mal-grado, a cidade aí está, quase parecendo pessoa…estóica, parada, pertinaz…bela, esperando respeito a estas memórias, a legados como estes, sempre com sede de outra sorte merecida.

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